COLUNA ATIVISTA

O golpe atinge em cheio o campo brasileiro

Yamila Goldfarb

O Brasil é dos países com maior concentração fundiária no mundo. Segundo dados do último censo agropecuário do IBGE de 2006, a agricultura familiar representava 84,4% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Este contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% do total da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Já os estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. Essa absurda disparidade é historicamente geradora de conflitos e pobreza para o país. A luta pela terra, pela infraestrutura nos assentamentos, pela educação no campo, pela assistência técnica, pelo acesso ao crédito, foram, entre outras, as bandeiras dos sindicatos e movimentos sociais do campo que historicamente lutam para mudar esse quadro de desigualdade.

Foi somente nas duas últimas décadas que ocorreu, ainda que com sérias limitações, a implantação de políticas de desenvolvimento para o campesinato. Dentre ela destacamos a criação do Ministério de Desenvolvimento Agrário, o MDA, em 1999. O golpe contra o governo Dilma extinguiu o MDA, diminuindo seu status e anexando-o ao Ministério de Desenvolvimento Social, e revogou boa parte das políticas públicas em andamento voltadas para essa parcela da população sempre colocada em situação de subalternidade.

O MDA possibilitou a implantação de políticas públicas que visavam o fortalecimento da agricultura camponesa como: a ampliação e diversificação das linhas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, criado em 1996, (o PRONAF) e a viabilização da participação social nas negociações internacionais que se referiam à agricultura familiar, à reforma agrária e às políticas de desenvolvimento agrário. Diversos programas tiveram origem no MDA, tais como: Programa de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (2003); o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (2004); o Programa Organização Produtiva de Mulheres Rurais (2008) e; o Programa Territórios da Cidadania (2008). A existência desse Ministério foi também fundamental para a implementação do Programa 1 Milhão de Cisternas Rurais (2003); do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA (2003) e; do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE (2009), entre tantos outros. Como se não bastasse, esse ministério ajudou na institucionalização de espaços de participação social como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA).

A extinção do MDA reflete o que o professor da UNESP, Bernardo Mançano Fernandes bem definiu: a dimensão agrária do golpe. Como era de se esperar, os Deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária, mais conhecida como Bancada Ruralista, votaram em sua grande maioria a favor da admissibilidade do impeachment no dia 17 de abril. O objetivo é eliminar as possibilidades de recriação da pequena agricultura para aumentar a concentração fundiária, o poder da velha oligarquia e dos grandes grupos econômicos. Vale lembrar que o novo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, já admitiu flexibilizar a Lei 5.709 que dificulta a venda de terras a estrangeiros.

Novamente nas palavras de Bernardo Mançano Fernandes, unem-se os interesses econômicos com o poder político em defesa da hegemonia do agronegócio. Esse agronegócio, alardeado como solução para o desenvolvimento do campo, na realidade gera grande lucros para grandes corporações que dominam a produção de insumos agrícolas, o processamento da produção e a comercialização de commodities. Longe de alimentar o Brasil, essa agricultura gera devastação ambiental, concentração de terras, insegurança alimentar e desemprego. Sim, desemprego. Segundo dados do IBGE, as pequenas e médias propriedades ocupavam mais de 15 milhões de pessoas. Já a grande propriedade, isto é, a do agronegócio, ocupava menos de 500 mil pessoas. E isso, lembremos, tendo mais de 70% da área agricultável do país. Essa agricultura monocultora e de exportação usa intensivamente agrotóxicos e biotecnologia, particularmente a transgenia. Não à toa o Brasil é campeão em consumo de agrotóxicos no mundo.

A extinção do MDA vem dizer ao campo que não há espaço para o outro projeto. O projeto camponês de desenvolvimento rural baseado na soberania alimentar e na agroecologia. Ganham os interesses privados. Perde a sociedade como um todo.

Mas o golpe não vem apenas com essa faceta institucional, ele vem com o crime e a criminalização. Basta ver a recente prisão de José Valdir Misnerovicz, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST sob a acusação de integrar “uma organização criminosa”. Eis a criminalização. No dia 14 deste mês, mais um líder Guarani-Kaiowa foi assassinado por fazendeiros na terra tekoha Teyi Jusu-Caarapó em Mato Grosso do Sul. Ao menos outros 10 indígenas foram feridos. Eis o crime.

No campo brasileiro, interesse privados tanto no passado como no presente, violentam a vida, saqueiam os recursos naturais, destroem o bem comum, ameaçam a saúde do campo e da cidade e destroem o futuro. Pelo que estamos vendo, o golpe só veio a fortalecer isso. É urgente compreender que o que acontece no campo diz respeito a todos, mesmo àqueles que não se importam. Essa captura do campo por interesses privados não pode ser ignorada se quisermos defender e construir a democracia e a justiça social no país.

Yamila Goldfarb é militante do V!