COLUNA ATIVISTA

Captura corporativa no setor da mineração no Brasil

Embora no ano de 2018 a extração de minérios tenha sido uma das atividades econômicas mais rentáveis da balança comercial brasileira (com superávit na marca dos US$ 23,4 bilhões[1]), este mesmo setor tem sido protagonista de alguns dos maiores prejuízos sociais e ambientais no país nos últimos anos.

A aprovação de medidas legislativas que impõem limites mais rígidos à atividade da mineração, não raras vezes esbarra na pressão exercida por diferentes mecanismos do que chamamos de “captura corporativa” sobre políticos e órgãos públicos. Entre as formas de captura mais conhecidas neste setor estão as portas giratórias, o financiamento de campanha e o lobby.  Esta engrenagem tem garantido que interesses do setor privado, mas sobretudo de grandes companhias do setor tais como a Vale, Samarco, CBMM, Alunorte e Namisa, prevaleçam sobre a proteção do meio ambiente e das populações do entorno às áreas de mineração. E mais do que isso, o poder assimétrico do setor privado se sobrepõe também à segurança dos próprios trabalhadores das empresas, como pudemos ver no recente episódio de Brumadinho (MG).

Até 2017, as atividades de extração mineira no Brasil eram reguladas e fiscalizadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que foi extinto e substituído por lei pela Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, durante o governo Michel Temer.

Segundo o site da ANM, ela “tem por finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração mineral e do aproveitamento dos recursos minerais e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõem o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementa”[2].

Em 31 de outubro de 2018, o Senado aprovou a indicação de Victor Hugo Froner Bicca para o cargo de diretor-geral da ANM, com 35 votos favoráveis, sete votos contrários e uma abstenção. Embora nunca tenha exercido cargo em empresa privada (Bicca ocupava, desde 2016, a Direção-Geral do DNPM, órgão do qual era servidor de carreira desde 1984), a sua indicação foi encabeçada por Flexa Ribeiro (PSDB-PA), político cuja ligação com o lobby da mineração no Congresso é reconhecida.

O escolhido, Victor Bicca, ao assumir o cargo, prometeu acelerar a tramitação de processos para a exploração de 20 mil novas jazidas de minério ainda em 2019, e pediu ao Congresso que aprove a abertura de lavras em terras indígenas. Bicca foi apoiado pelo MDB de Minas Gerais.

Além do diretor geral, a ANM tem três diretores, Tasso Mendonça Júnior, Tomas Antonio Albuquerque de Paula Pessoa Filho e  Eduardo Araujo de Souza Leão. Este último, que assumiu em 2018, já foi Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia do Pará (2015 a 2018) e funcionário da Vale (2007 a 2015), onde fez carreira atuando como Analista de Meio Ambiente Sênior, Gerente de Meio Ambiente e Agricultura Familiar e Gerente do Meio Ambiente do Projeto Carajás durante o ano de 2014 e 2015[3]. Este e outros possíveis intercâmbios e laços com o setor privado colocam em suspeita a neutralidade da atuação de parte da diretoria da ANM.

Além disso, o financiamento direto de campanha por parte de grandes empresas da mineração eram comum antes das regras instituídas pela reforma política em 2017. A exemplo de comparação, 20 dos 27 membros titulares da Comissão sobre o Novo Código de Mineração, em pauta em 2013, no âmbito da PL 5807/2013, haviam recebido dinheiro de empresas do setor em suas campanhas eleitorais[4]. O relator da comissão, Leonardo Quintão (PMDB-MG) chegou a receber cerca de 42% do seu patrocínio eleitoral para campanha por empresas como Gerdau e Arcellor Mittal Brasil, em 2014[5].

Quintão foi o redator do novo código de leis da mineração. No período de vigência da comissão em que estava sendo discutido foi revelado que o texto proposto pelo redator teria sido escrito em um computador do escritório de advocacia Pinheiro Neto, que tem como clientes as mineradoras Vale e BHP. Além disso, também há suspeitas de que  o conteúdo do código foi modificado pelo menos cem vezes pelo advogado Carlos Vilhena, sócio do escritório Pinheiro Neto[6].

Quintão também incidiu na medida provisória que criava a ANM. Originalmente, o governo previa a existência de dois dispositivos de controle que aumentariam a fiscalização das barragens de rejeitos. Uma delas permitiria o credenciamento de empresas e técnicos que pudessem emitir laudos sobre a segurança das estruturas de barragem e a criação de uma taxa que financiaria os trabalhos da agência. Enquanto relator da medida provisória que substituiu a DNPM pela ANM, o deputado federal retirou os dois artigos sem explicações detalhadas ao apresentar o parecer sobre o projeto, aprovado em comissão[7]. O texto não contém qualquer referência sobre fiscalização de barragens e fechamento de minas.

Outro retrato também expressivo da captura do setor privado no legislativo foi a composição de comissão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2014 que tratou sobre regulação de barragens no Estado. Dezenove dos 22 deputados que faziam parte do processo também foram financiados por mineradoras na campanha eleitoral, segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Embora o financiamento empresarial de campanha seja proibido atualmente, as doações individuais podem continuar exercendo o mesmo poder. Em 2018, Quintão recebeu cerca de R$ 15 mil reais em contribuição de pessoa física por parte do empresário mineiro João Paulo Santos Cavalcanti, dono do GSM Mineração e do Grupo Semil.

As evidências de forte aliança entre legisladores e corporações da mineração, permitindo flexibilidade das leis e indicação de representantes técnicos para órgãos públicos alinhados aos interesses privados, também estão visíveis no papel exercido pelos lobbies.

Questões ligadas à segurança das barragens de mineradoras, quanto a de multas estipuladas para empresas do setor que descumprissem leis, já foram temas de debate no Senado Federal há algum tempo. Há fortes indícios que a PLS 224/2016, que tornava mais rígida as normas da Política Nacional de Segurança das Barragens, teria sido interditada  pelo poder dos lobistas na Comissão de Meio Ambiente. Um dos diretores da ANM, Eduardo Leão já reconheceu em entrevista que os entraves na legislação, tal como o arquivamento do PLS 224, se deve à existência de um “cartel” de empresas que incidem sobre os processos legislativos, não permitindo os avanços na lei.[8]

Em 2017 o Executivo lançou três medidas provisórias, entre elas a 790/17 que buscava alterar 23 pontos do Código de Mineração (Decreto lei 227/67), entre eles a proposta de um aumento do teto de multas às mineradoras de R$ 3.293,90 para 30 milhões de reais[9]. Os parlamentares deixaram a MP expirar não permitindo que o projeto fosse para o Senado.

Neste contexto em que as grandes mineradoras exercem desmedido poder de defesa sobre seus interesses principalmente a partir de relação com parlamentares, via financiamento de campanha e a intermediação dos lobbies, evidencia-se uma poderosa blindagem destas empresas ao interesse público. Assim, avanços regulatórios permanecem travados e impactos negativos dos mais variados continuam a ocorrer sem pagamento justo de ações predatórias ao meio ambiente e à população. Não há outro modelo possível para a permanência deste setor no Brasil sem que mecanismos de controle e participação social institucionalizada possam reduzir o fosso dessa desigualdade entre o lucro e a vida.

 

[1] http://www.mme.gov.br/web/guest/pagina-inicial/outras-noticas/-/asset_publisher/32hLrOzMKwWb/content/setor-mineral-registra-superavit-de-us-23-4-bilhoes-em-2018

[2] Fonte: http://www.anm.gov.br/acesso-a-informacao/institucional

[3] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/02/comando-de-agencia-de-mineracao-tem-ex-funcionario-da-vale-e-politicos-do-setor.shtml

[4] http://apublica.org/2013/10/politicos-mineradoras-debate-novo-codigo-mineracao/

[5] http://www.tramas.ufc.br/wp-content/uploads/2015/08/Quem-e-Quem-elei%C3%A7%C3%B5es-2014.pdf

[6] http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/novo-codigo-da-mineracao-e-escrito-em-computador-de-advogado-de-mineradoras.html

[7] https://www.valor.com.br/empresas/6093489/quintao-atuou-favor-do-setor-na-criacao-da-agencia-de-mineracao

[8] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/02/agencia-promete-fim-de-barragens-como-a-de-brumadinho-e-aponta-lobby.shtml

[9] https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/INDUSTRIA-E-COMERCIO/542942-COMISSAO-DEBATE-MP-QUE-ALTERA-REGRAS-SOBRE-MINERACAO.html