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Florestas e capital financeiro em jogo na COP 22

Camila Moreno

Pressão para mudança na posição histórica do Brasil sobre mudanças climáticas pode beneficiar países desenvolvidos

Nesta sexta-feira 18, será encerrada em Marraquexe, no Marrocos, mais uma rodada de negociações internacionais sobre as mudanças climáticas. É a 22ª Conferência das Partes (COP 22) da Convenção do Clima e a primeira desde a celebração do Acordo de Paris, firmado em dezembro de 2015.

Em um fato inédito na história da ONU, o Acordo de Paris foi ratificado massivamente e desde 4 de novembro entrou em vigor. Os países agora correm para detalhar e acordar sobre o livro de regras para sua implementação, trabalho que deve ser concluído até o fim de 2018.

O encontro no Marrocos ocorre eclipsado pelo resultado das eleições nos EUA e os prognósticos nada amigáveis disso para a luta contra a mudança climática. Ainda assim, tenta-se aproveitar ao máximo o momento internacional de apoio à ação climática.

Sob a tônica insistente de que esta é a COP da implementação, alguns países estão aproveitando para emplacar novas interpretações ou distorcer o que foi acordado em Paris. Este movimento se reflete também na pressão para mudar posições consolidadas de algumas nações, como se assiste no caso brasileiro.

No início desta semana, uma coalizão de empresas, ONGs, governos estaduais da Amazônia e parlamentares encaminharam publicamente uma demanda à delegação brasileira. A ofensiva concertada por este grupo, que pede para o Brasil rever sua posição histórica, é um movimento muito perigoso.

Historicamente, o Brasil defende que as florestas e a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (conhecido como REDD+) não sejam usados para gerar créditos de compensação aos países desenvolvidos. Concretamente, essa posição brasileira está segurando a já frágil integridade ambiental do Acordo de Paris.

O acordo incorporou a questionável noção de “emissões líquidas zero”, abrindo caminho para contabilidades criativas do carbono entre os países.

Neste quadro já complexo, qualquer mudança na posição do Brasil sobre florestas – o País é decisivo pois possui a maior área de floresta tropical do mundo – resultará em favorecer os países ricos, autorizando formas mais flexíveis, e baratas, para que esses, na prática, continuem poluindo.

Tudo o que os países ricos querem é uma forma de transferir a responsabilidade pela crise ambiental. Querem fazer isso sem mudar sua forma de vida e, se possível, ainda ganhar com isso: vendendo novas tecnologias, patentes, produtos e acessando recursos naturais dos países do Sul.

Apresentada sob o argumento conjuntural de atender interesses domésticos no Brasil e sob a esperança de com isso alavancar potenciais financiamentos, essa é uma questão que teria um impacto direto sobre o delicado arranjo global alcançado no Acordo.

Esta jogada pesada de questionar uma posição que o Brasil, como Estado, soberanamente defende há 20 anos, envolve hoje um tema que ultrapassa as fronteiras nacionais em um momento crucial, no qual os países estão negociando as bases da transição da economia global para este século.

Muita gente bem intencionada na defesa das florestas ouve o canto da sereia dos lobbies empresariais e de consultores, ou melhor, corretores ambientais, que vendem mundos e fundos em nome da crise climática. Em um cenário de recessão e de urgência planetária, todos querem uma solução de curto prazo.

O grande risco aqui é, com isso, hipotecar nosso futuro. O discurso dominante na COP 22 é o das parcerias público privadas (PPPs). Atores que pressionam sobre a posição do Brasil falam que os Estados estão sem dinheiro e que há uma enorme “liquidez internacional” (leia-se, capital financeiro) a “flutuar” por aí, e que os países devem aproveitar esta chance.

Isso significa abrir espaço para o capital especulativo “investir” em ações climáticas?

O problema é esse: ao invés de assegurar financiamento público e incondicional, estão todos aqui capitulando à lógica de criar oportunidades de negócios, que obviamente têm expectativa de retorno, de lucro. Além disso, o que é mais grave, projetos de offset (compensação) que envolvem florestas são contratos de longo prazo, que materializam uma nova forma de direito privado, aos “créditos de carbono”, dando direito de acesso à água, biodiversidade e terras onde estes projetos serão executados.

Isso impacta diretamente as populações e seus modos de vida. Além disso, com o pacote de MRV (medir, reportar e verificar) o carbono, que é vendido sob o nome de “transparência”, estão colocados interesses de mega infraestruturas de monitoramento remoto de territórios, com satélites privados, como os do Google. Isso é um tema de soberania nacional, da agenda de segurança, é geopolítica. São questões de fundo que precisamos discutir coletivamente.

Enquanto isso, os corretores ambientais, que apostam no mercado de carbono, estão interessados em vender projeto e ganhar comissão, qualificam estes temas acima como “ideológicos”. É preciso politizar sim o debate do hoje que se faz em nome do clima.

 

Camila Moreno, pesquisadora, acompanha as negociações de clima desde 2008. É co-autora do livro Métrica do Carbono: abstrações globais e epistemicídio ecológico, e representa o Grupo Carta de Belém na COP 22.

 

Da Carta Capital.