COLUNA ATIVISTA

Reforma política sem participação é mais do mesmo

Por Maria Brant & Gonzalo Berrón

 

A mudança político-eleitoral via reforma das regras eleitorais pelo Congresso e/ou pelo TSE é necessária, mas não suficiente para aperfeiçoar a democracia no Brasil. Melhorar o sistema eleitoral para que ele seja mais representativo da diversidade política e social do país, assim como retirar o jogo eleitoral da esfera do mercado, para evitar a promiscuidade entre dinheiro e interesse público (“privatização da democracia”), seriam mudanças que fariam diferença para a nossa democracia se aprovadas pelo Parlamento. Sem mecanismos de participação popular que garantissem controle social, contudo, nosso sistema político ficaria vulnerável a tentativas dos atores políticos de contornar as novas regras e logo voltaria a padecer dos mesmos problemas de que sofre hoje. É por isso que este tipo de reforma “de cima para baixo” é limitado quanto à possibilidade de melhora institucional, e só resolve uma parte do problema.

É uma das obrigações de intelectuais e lideranças políticas do campo popular oferecer ideias, criar propostas e práticas de democracia direta, pois, sem elas, a renovação da política – tanto no que diz respeito a pessoas quanto a ideias – não vai decolar. Nos tempos da comunicação rápida e fácil, do acesso quase ilimitado à informação, negar a participação não é mais concebível. É fundamental voltar a discutir formas diretas de engajamento e participação social que aumentem o controle sobre os governantes e o que é público e que, ao mesmo tempo, ofereçam oportunidades de criar e desenvolver políticas públicas e outras ações novas e adequadas ao interesse da população.

Além de ter obtido ganhos inegáveis, tais como a consolidação da transparência como condição indispensável para a participação social, e se empenhado para estabelecer mecanismos de consulta e diálogos informais entre sociedade civil e Estado; a experiência do governo petista demonstrou duas coisas no que tange ao  tema da participação.

A primeira é que não adianta criar instituições “participativas” (conferências e conselhos, foros da sociedade civil, audiências públicas e consultas – que, de fato, atingiram número recorde nas gestões do PT) se esses mecanismos não têm poder de fato de criar ou modificar políticas públicas. Constitui um enorme problema, por exemplo, a elaboração coletiva de um Plano Nacional de Direitos Humanos (PNH3) fabuloso se, depois disso, não forem criados mecanismos para que ele se concretize em políticas públicas específicas.

Outro fato demonstrado pela experiência petista é o de que mesmo os governos populares mais legítimos e estruturados em termos de construção histórico-política, sem controle social efetivo, podem cair nas redes dos poderes econômicos e do dinheiro. É isso, de fato, o que nos parece ter ocorrido, e não o que pregam certas teses autojustificatórias, tais como: “não havia correlação de força para fazer reforma política” ou “foi preciso se adaptar ao jogo de poder do sistema político brasileiro” ou ainda “sem dinheiro, não há como ganhar das elites conservadoras/econômicas”….

Uma terceira questão é que o modelo de participação cidadã imaginado nos anos 80 e 90 e implementado nos governos Lula e Dilma não contemplou o desenvolvimento tecnológico e as novas formas de participação eletrônicas. Ou, quando o fez, não o fez de forma emancipatória em relação ao modelo de democracia física. Na tirania da opinião pública, não há ainda uma assinatura digital que nós dê direitos políticos. Por enquanto, apenas o mercado confia na nossa assinatura digital, na forma de cartão de crédito, também por ter sido o único a desenvolver tecnologias para torna-la confiável…

Transparência, consulta, controle popular da gestão pública, assim como efetividade da participação e estabelecimento de novos padrões do exercício democrático por via eletrônica são elementos centrais que devem ser discutidos e aprimorados. No contexto delimitado por esses elementos e pela preocupação sobre a influência dos poderes econômicos no sistema democrático, gostaríamos de apresentar uma ideia para o debate público: a das parcerias público-público, que, de alguma forma, é a nossa proposta “bottom up” para o problema da privatização da democracia e vem complementar o “Sistema Pública Eleitoral”, a proposta do Vigência! de reforma política institucional.

A fórmula “parceria público-público” é utilizada principalmente no debate sobre o serviço público da água e a energia elétrica. Apelidadas de “PuPs”, essas parcerias denotam, na maioria dos casos, uma re-municipalização dos serviços de água em várias cidades do mundo depois da onda de privatizações dos anos 1990. Ou seja, nessas cidades, movimentos e associações locais conseguiram reconquistar o controle dos bens públicos que havia sido passado a atores privados.

O Transnational Institute define as PUPs como “uma colaboração entre duas ou mais autoridades públicas ou organizações, baseada na solidariedade, para aperfeiçoar a capacidade e a eficiência de um dos parceiros” ou uma “relação entre pares forjada ao redor de valores e objetivos comuns, que excluem a busca por lucros”. Para o TNI, as PUPs evitam os riscos típicos das parcerias público-privadas: os custos de transação, a quebra de contrato, a renegociação, as complexidades da regulação dos serviços, o oportunismo comercial, os monopólios, o sigilo comercial e a falta de legitimidade pública.[1]

Apesar de a maior parte das PUPs mapeadas até hoje serem relativas à provisão de serviços de água e esgoto – em países como Honduras, Paquistão, Malawi e muitos outros -, também há registro de iniciativas bem-sucedidas na área da saúde na África do Sul, Estados Unidos, Jamaica, Costa do Marfim e outros[2] e nada impede que essas parcerias sejam estendidas para inúmeras outras áreas.

As PuPs são uma resposta coletiva que vai ao cerne do que avaliamos ser um dos principais problemas do sistema político atual, que é o fato de que ele permite que interesses privados sejam defendidos, em detrimento do interesse público, mesmo em instâncias ditas democráticas. Em primeiro lugar, miram naquilo que, há mais de três décadas, constitui uma das grandes frentes de avanço dos poderes econômicos sobre os bens comuns: as privatizações dos serviços e bens públicos.  Depois, ao facilitar a presença física/institucional da sociedade nos espaços onde as decisões sobre o público são tomadas e executadas, limitam a margem de manobra de que os gestores públicos dispõem para favorecer os dos donos do dinheiro.

O primeiro “P” abre o campo para a participação direta das pessoas, o segundo “P” sinaliza o comum  (o bem ou o serviço de todas/os): é a síntese perfeita do que achamos ser a solução para o problema do Brasil e do capitalismo extremo atual.

[1] https://www.tni.org/en/collection/public-public-partnerships

[2] http://municipalservicesproject.org/sites/default/files/PapersNo9_0.pdf