COLUNA ATIVISTA

O que está por trás da compra do LinkedIn pela Microsoft

Joana Carda

Algo que parecia difícil aconteceu: a Microsoft está ainda mais presente no dia a dia do seu trabalho. Consolidar essa onipresença foi a principal razão pela qual a empresa de Bill Gates decidiu comprar o LinkedIn por US$ 26,6 bilhões. A rede social/profissional reúne e integra dados de mais de 15 milhões de pessoas só no Brasil e 430 milhões no mundo todo. São mais de 100 milhões de usuários que utilizam os serviços do site ao menos uma vez por mês.

O potencial é enorme. É possível, antes de ir a uma reunião de trabalho, saber tudo sobre o passado e o presente da vida profissional de uma pessoa, quais são os amigos/as em comum e gostos parecidos – tudo isto através de uma assistente virtual. É prometido atualizações sobre a vida profissional e facilidades para compartilhar documentos e apresentações via Skype, outro programa adquirido pela Microsoft por bilhões de dólares. Para a Microsoft, a rede também servirá como uma vitrine para divulgar seus produtos para empresas, como o pacote Office 365 e Dynamics, um sistema de gestão de empresas.

A Microsoft tenta comprar os meios da sua própria sobrevivência em um mundo onde a tendência é que os arquivos sejam produzidos e trocados pelas nuvens. Neste sentido, o futuro parece ter a ver com a informação. O LinkedIn só perde para o Facebook em um dos mais valiosos mercados do capitalismo contemporâneo: o das informações pessoais. A plataforma adquirida pela Microsoft explora essas informações de duas maneiras: por meio de serviços de recrutamento oferecidos a outras empresas – o que correspondeu, em 2014, a 61% do seu faturamento (ou 345 milhões de dólares), ou vendendo-as para propagandas direcionadas (perfazendo, também em 2014, 109 milhões de dólares, ou 19% do seu faturamento). Outra parte considerável do seu lucro (20%) vem da venda de inscrições premium na plataforma.

Assim como qualquer rede social, portanto, a principal atividade do LinkedIn é garimpar e comercializar as predileções e histórias de vida de seus usuários. Quando se trata de informações da vida profissional, o novo integrante do conglomerado Microsoft sabe mais que qualquer outro. Não à toa, a Microsoft pagou o equivalente a 255 dólares por cada usuário ativo na plataforma LinkedIn.

O ingresso da Microsoft neste mercado é parte de uma estratégia de sobrevivência da gigante norte-americana. O Windows, um sistema operacional pensado para desktops, está perdendo espaço pela crescente importância de tablets e dos smartphones. O Microsoft Office – carro-chefe da empresa na venda de software corporativo – começa a sofrer com a concorrência dos serviços em nuvem. Ao comprar o LinkedIn (batendo a Salesforce, uma empresa que já atua no ramo de softwares corporativos em nuvem), a Microsoft busca se posicionar melhor nesse mercado.

A compra do LinkedIn ilustra, portanto, que empresa de Bill Gates está lutando por um mercado que já domina – o de software para grandes empresas. A Microsoft busca se consolidar. Agora, porém, com um diferencial: o produto é a informação pessoal de milhões de pessoas. Em um mundo em que a comunicação, os vínculos sociais e o trabalho – enfim, toda e qualquer relação interpessoal – estão crescentemente mediados pela tecnologia, os dados e informações pessoais são verdadeiros tesouros explorados por grandes empresas. Google, Facebook, Twitter e qualquer outra rede social comercializam um mesmo produto: o chamado “Big Data”. A Microsoft se deu conta disso e, com a aquisição do LinkedIn, passou a controlar a maior mina virtual de informações profissionais do mundo.

As novidades dessa aquisição bilionária, porém, param por aqui. A compra realizada pela Microsoft apenas ilustra como o “capitalismo digital” emula o seu irmão “analógico” no que há de mais problemático: a extrema concentração do poder econômico. No caso do LinkedIn, isso se revela no fato de que informações pessoais são transformadas em mercadoria e acabam concentradas nas mãos de poucas e gigantescas empresas. É assim que a Microsoft pretende se manter na posição em que está: 25a maior empresa do planeta em faturamento e 5a entre as empresas de tecnologia, de acordo com o ranking da Forbes.

O outro tema que é consequência desta compra é: estamos vendo outro pico da bolha de tecnologia? No final da década de 1990 os ditos ‘capitalistas de alto risco” apostaram alto aumento nas cotações de ações de empresas “ponto com”. As baixas taxas de juros no biênio 98/99 ajudaram a aumentar os montantes de capital para as start ups. No início dos anos 2000, quando a tendência da baixa de juros se inverteu, o índice Nasdaq desabou junto com a teoria da “nova economia”. Uma das empresas responsáveis pela ruptura da bolha foi a mesma Microsoft condenada por violar uma lei norte-americana de proteção à concorrência. Esta condenação se repetiu outra vez em território europeu.

A concentração de poder e informação é o grande problema já que desequilibra ainda mais um sistema estruturalmente assimétrico. É como falamos: tanto poder nas mãos de um só grupo (ou de uma só pessoa) dificulta medidas corretivas ou punitivas de parte das autoridades, mesmo quando constatados comportamentos condenáveis, como os que ocorreram no estouro da primeira bolha especulativa. Aumentam sensivelmente os riscos sistêmicos que possam até abalar algumas economias nacionais, consagrando-se o princípio de que são demasiadamente grandes para falirem.

O mais provável que esta aquisição seja mais um ato da tendência fundamental do capitalismo – identificada pelo velho Marx – que é a concentração econômica do mercado.

Joana Carda é militante do Vigência.
Imagem: AndroidPIT.