Guia Ilustrado da Privatização da Democracia no Brasil

Guia Ilustrado da Privatização da Democracia no Brasil

Guia ilustrado da privatização da democracia no Brasil

Sobre este guia

Apresentamos esta publicação em meio a um intenso debate sobre a atuação dos poderes econômicos no Brasil e seu impacto sobre a nossa democracia. É um debate crucial, que deve aprofundar a análise sobre os efeitos estruturantes da participação política dos atores econômicos na economia e na sociedade do país: é preciso reconhecer a complexidade da interação Estado-empresas.

Com este Guia Ilustrado da Privatização da Democracia no Brasil, o Vigência apresenta uma série de pictogramas e pequenos textos explicativos sobre um problema-chave do Brasil atual. Em cada uma das seções, tentamos identificar (a) os mecanismos dos quais as empresas se utilizam para capturar o poder político e econômico em diversos  setores da economia brasileira e (b) quem são os principais afetados por essa captura.

Nossa intenção, ao compilar os casos a seguir, é informar o trabalho de indivíduos e organizações que atuem ou desejem atuar na defesa do interesse público e no combate à crescente desigualdade econômica no Brasil.

A publicação fornece uma“radiografia” da captura corporativa dos principais setores da economia brasileira no momento atual: alimentos;biossegurança; educação; finanças; juros; meio ambiente; mídia; saúde; segurança; e setor imobiliário, com especial destaque para o caso dos transgênicos.

A pesquisa completa que deu base a este Guia e outras informações atualizadas sobre estes e outros setores estão disponíveis no site do Vigência: www.vigencia.org.

Sobre o Vigência! e Conteúdo

Sobre a captura

Privatização da democracia: Principais atores

Após investigar os principais mecanismos dos quais as empresas se utilizam para influenciar o processo de tomada de decisão política em diferentes fóruns democráticos, constatamos a existência de um ciclo perverso, que despreza os interesses de diversas parcelas da sociedade brasileira e radicaliza ainda mais as nossas já profundas desigualdades sociais: o da captura corporativa.

Os atores econômicos tentam “capturar” as instituições de representação política nacionais e supranacionais de modo que seus interesses se transformem em decisões públicas (leis e normas, políticas públicas, programas governamentais, licitações, decisões judiciais) que favoreçam primordialmente os interesses das empresas. Resta à sociedade civil a tarefa de denunciar e tentar evitar essa captura mediante campanhas e outras atividades.

Trata-se de um quebra-cabeças cujas peças centrais são: o capitalismo extremo (sociedades muito concentradas e desiguais), no qual atores econômicos – nacionais e transnacionais que possuem diversas morfologias, e que incluem empresas, bancos e fundos de investimento – interagem entre si, ou com Estados e organismos internacionais – as entidades que representam a soberania popular nos regimes democráticos –, e, por fim, os ativistas da sociedade civil que participam nos níveis internacional e doméstico (movimentos sociais, sindicais e políticos, ONGs, redes, comunidades de base, afetados etc.).

É um jogo desigual, que se traduz em:

a) Uma crescente privatização da democracia, pela qual empresários controlam mecanismos centrais da dinâmica democrática (eleições, trabalho parlamentar, programas, obras, poder judiciário etc.), que, por sua vez, resulta em;

b) Políticas públicas, leis  e acordos internacionais que favorecem os interesses das grandes corporações transnacionais e redundam em;

c) Uma maior concentração econômica, que produz;

d) Atores econômicos cada vez maiores e mais poderosos em relação às outras esferas da sociedade, o que resulta em;

e) Sociedades mais pobres, tanto do ponto de vista econômico quanto de sua soberania.

Constatamos a vigência da contradição simples, mas tenaz e mutante, que jaz no cerne do capitalismo: a da dominância de grandes atores econômicos na arena política de democracias capitalistas de forma a explorar os demais setores da sociedade.

E este acúmulo respalda a necessidade de sistematizar e construir o debate público sobre a privatização da democracia brasileira no século XXI.

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Capitalismo extremo: concentração e desigualdade

Passados mais de 30 anos do início da chamada “globalização neoliberal”, o modelo de mundialização da economia via abertura e desregulamentação global dos mercados em termos de comércio e investimentos produziu uma economia global nas mãos de um número cada vez menor de grupos econômicos e uma distribuição de riqueza recordista em termos de desigualdade. Essas são as duas características centrais do que chamamos de capitalismo extremo: a extrema concentração de riquezas e a tendência à extrema concentração da propriedade e controle das empresas.

 

CADA VEZ MENOS E MAIORES EMPRESAS

Em 2011, dos 43 mil grupos empresariais mais importantes do mundo, apenas 737 controlavam 80% do mundo corporativo, sendo que, destes, um núcleo de 147 controlava 40%.1

No Brasil, temos forte presença de conglomerados empresariais”, com donos com propriedade cruzada em várias empresas, consórcios (vários donos associados a um mesmo projeto ou empresa) e pirâmides  de controle (donos com participações em uma empresa intermediária que, por sua vez, agrega posições em diversas outras).2. O principal problema desse cenário é a redução da competição.

Na última década, ocorreu uma aceleração das fusões e aquisições3. Por exemplo: a United Health, dona da Amil, comprou o Hospital Samaritano de São Paulo por R$ 1,3 bilhão; e a Estácio Participações adquiriu a Faculdade Nossa Cidade pelo valor de R$ 90 milhões.

 

A CADA DIA, UM BRASIL E UM MUNDO MAIS DESIGUAIS

A Oxfam (2016) publicou um informe baseado em relatório do Credit Suisse que afirma que “a distância entre ricos e pobres está chegando a novos extremos”, sendo que “o 1% mais rico da população mundial acumula mais riquezas atualmente que todo o resto do mundo junto”. Nosso país é um dos mais desiguais do mundo: 0,5% da população economicamente ativa concentra 43% da riqueza4  e os 8% mais ricos possuem 87%. Apesar de políticas redistributivas nos últimos anos terem da riqueza contribuído para aumentar a participação dos mais pobres na riqueza nacional, o processo de acumulação do capital tem crescido velozmente. 5

 

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Captura corporativa

/Política

Chamamos de captura política a influência assimétrica, ou desproporcional em relação a outros atores sociais, das empresas privadas ou entidades representativas do setor sobre os processos e instâncias de tomada de decisão dos poderes públicos, de forma a beneficiar seus próprios interesses, muitas vezes em detrimento do interesse público.

Na captura política, as decisões sobre leis (de competência do Legislativo), sobre a interpretação e aplicação da lei (Judiciário) e sobre o desenho e execução das políticas públicas (Executivo) são influenciadas para que seja favorecido o lucro de atores econômicos específicos.

O enfraquecimento ou a diluição de regulações que controlam a conduta de determinado setor econômico, o conhecimento antecipado de planos ou programas governamentais, a participação em conselhos ou comissões encarregadas de desenhar ou implementar políticas públicas, o financiamento de campanhas políticas, o lobby e a promoção de banca das parlamentares no Congresso, bem como a contratação de políticos e funcionários públicos com contatos no governo são alguns dos mecanismos utilizados por empresas para influenciar as decisões políticas.

Além dessa captura institucional, as empresas também tentam influenciar decisões políticas por meio do que chamamos de captura “cultural” ou “ideológica”. Esse tipo de captura ocorre quando os atores econômicos, por meio dos meios de comunicação, da publicidade, da produção de conhecimento “científico” e de outros mecanismos, disseminam visões de mundo, valores ou conceitos determinando quais são as formas mais desejáveis de agir, consumir e pensar, ou difundindo a ideia de que essas são as únicas possíveis formas de ação, consumo ou pensamento. Pior ainda é a tentativa de diversos atores econômicos de incutir a ideia de que agir de acordo com seus interesses equivale a agir de acordo com interesse público.

/Econômica

As empresas privadas também se utilizam de seu poder econômico para se apropriar de uma fatia desproporcional da riqueza social ou dos bens comuns, em um processo que chamamos de captura econômica. A financeirização de praticamente todos os setores da economia, a manutenção de altas taxas de juros e a ameaça por grupos de investidores de retirar investimentos de determinado país caso certas condições econômicas não sejam cumpridas são exemplos das formas pelas quais as empresas se utilizam de seu poder econômico para ampliar ainda mais a concentração de riqueza em suas mãos.

/No âmbito internacional

As agendas dos “Itamaratys” são construídas em grande parte com base nos interesses dos poderes econômicos dominantes em cada país. A captura corporativa é, com alguns matizes, parte constitutiva da formulação da política externa das nações. Recentemente, foi constatado que para elaborar a proposta da UE na negociação do tratado com os Estados Unidos, foram realizadas 528 reuniões, das quais 88% foram com lobistas empresariais e só 9% com grupos de interesse público1. O processo de tomada de decisões no sistema das Nações Unidas tende a estar mais afastado da vista do público, o que facilita a captura corporativa. Há também a ausência de uma institucionalização da participação que defina regras para criar condições de concorrência equitativa entre sociedade civil e empresariado nos processos políticos globais.

Nesse contexto, como observa Harris Gleckman, após a crise econômica global de 2008, até mesmo os atores econômicos perceberam essa oportunidade e o problema da falta de uma governança global mais sólida. Por isso, o Fórum Econômico Mundial, por exemplo, levou adiante um amplo processo de consulta e produziu um informe chamado “Iniciativa de Redesenho Global” (Global Redesign Initiative), que se transformou no “manual mais abrangente para um sistema de governança global pós-Estado-nação”. Diferentemente do atual sistema, que inclui a consulta a múltiplos atores [multi-stakeholder], o relatório propõe uma “governança multi-setorial” como forma parcial de substituição das decisões intergovernamentais. Essa forma de lidar com a governança já tem sido promovida também em vários níveis dos órgãos da ONU, os quais têm recomendado “institucionalizar a parceira público-privada no nível global”.

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Indústria de alimentos

O Brasil é um dos principais produtores globais de alimentos. O sistema agroalimentar abrange desde a produção agrícola até o processamento e elaboração dos alimentos e as redes varejistas. No país, o setor se concentrou no período de 1995 até 2004 e depois voltou a se desconcentrar com a entrada de mais atores econômicos. Ainda que o setor brasileiro como um todo não apresente níveis de concentração tão graves quanto os que ocorrem no nível global, registram-se aqui altos níveis de concentração em subsetores-chave, tais como o de produção de carnes, o de soja, o de suco de laranja e o varejo. O financiamento de campanhas eleitorais e a consequente formação da chamada bancada ruralista é o principal mecanismo de captura utilizada pelas grandes empresas do setor. A bancada foi responsável, em 2015, pelo abrandamento da definição de trabalho escravo no Código Penal, pela aprovação em comissão do mecanismo de demarcação de terras indígenas, pela terceirização de atividades–fim e pela tramitação da lei que permite a compra de terras por estrangeiros.

 

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Biossegurança

A lei de biossegurança brasileira determina que, quando uma empresa pública ou privada deseje lançar um organismo geneticamente modificado no mercado, deve solicitar a autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – a CTNBio -, que, após etapas experimentais  diversas, vota a favor ou contra a liberação do organismo no mercado. Até hoje, contudo, a comissão aprovou todos os pedidos de liberação de OGMs pleiteados por empresas de biotecnologia, apesar de estudos questionando a sua segurança. Especialistas atribuem a liberalidade da CTNBio à proximidade de parte de seus integrantes às empresas de biotecnologia. Vários cientistas que fazem parte da comissão tiveram pesquisas financiadas pelas chamadas gene giants, por exemplo. O mecanismo das “portas giratórias” também se aplica neste caso: segundo relatos de jornais, um dos responsáveis por elaborar a Lei de Biossegurança, que dispõe sobre a CTNBio, trabalhou para a Monsanto. As empresas de biotecnologia também se utilizam do que chamamos de captura econômica ao tornar agricultores dependentes de suas sementes e vender “pacotes tecnológicos” que incluem não apenas as sementes transgênicas, mas também os agrotóxicos necessários para que elas cresçam. Hoje, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos e tem a segunda maior área plantada com transgênicos do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.

 

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Educação

A recente expansão dos negócios no setor do ensino superior no Brasil e a crescente participação de grandes empresas na oferta de vagas do setor privado remontam a políticas educacionais do governo militar. A análise do fenômeno atual deve questionar os reais propósitos dos programas educacionais de governo lançados deste então e a influência que os interesses mercantis exercem sobre eles. A expansão dos negócios no ensino superior privado teve início na ditadura, que fomentou o modelo de universidades lucrativas por meio de incentivos fiscais e repasses financeiros. Nos anos 1990, as políticas federais centralizaram os esforços na educação básica, delegando o ensino universitário à iniciativa privada. Na década seguinte, programas públicos de acesso ao ensino superior como ProUni e Fies acabaram facilitando o papel dos grandes conglomerados educacionais (entre 2007 e 2013, o Brasil foi o país que mais teve fusões, aquisições e incorporações no setor). Em 2012, as instituições privadas movimentaram R$ 30 bilhões (3 vezes mais que em 2009). Hoje, o Brasil possui duas das cinco maiores empresas do mundo no setor educacional, dentre elas a Kroton Educacional (ex-Anhanguera). À medida que o ensino lucrativo se mostrou um negócio altamente rentável, os empresários se organizaram em entidades representativas para garantir seus interesses na agenda pública. Quem perde? Os programas Prouni e Fies são alvos de crítica por se dirigirem à ampliação de vagas no setor privado em vez de criar novas vagas públicas. Além disso, as bolsas se concentram em cursos populares, como pedagogia, em vez de facilitar o acesso a cursos “de elite”, como medicina. Adicionalmente,a qualidade dos cursos ofertados por essas instituições privadas está sob ameaça, subordinada à lógica do lucro. Cabe ainda saber se, a médio prazo, esses programas terão sustentabilidade, uma vez que a inadimplência dos formandos aumenta a cada ano.

 

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Finanças

Os sistemas financeiros oferecem alguns dos melhores exemplos do que chamamos de captura econômica, ou seja, o mecanismo por meio do qual atores econômicos conseguem obter uma parcela desproporcional das riquezas geradas pela sociedade. Operações nos paraísos fiscais, acordos para pagar multas milionárias, mas menores do que os lucros obtidos, sistemas de resolução de controvérsias privatizados para processar Estados por uma aparente perda de lucros, ou dívidas públicas que fragilizam os Estados perante os que possuem os títulos – o caso dos fundos abutres na Argentina – são alguns dos exemplos das ferramentas que os grandes atores das finanças criaram para lucrar de forma extrema.

Nos acordos (settlements), as corporações pagam uma multa, mas não precisam reconhecer sua culpa, evitando assim que seus administradores sejam criminalmente responsabilizados. A GSK, por exemplo, uma gigante da área farmacêutica, fez um acordo com a Justiça americana para compensar fraude generalizada com medicamentos, pagando US$ 3 bilhões. A companhia, porém, lucrou com a fraude mais do que pagou de multa.

Hoje, as corporações dispõem de mecanismos jurídicos favoráveis a elas, como o International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, as empresas acionam países quando esses lhes impõem normas ambientais ou sociais que julguem desfavoráveis, e processam–nos pela perda de lucros que poderiam ter tido. A disputa jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership, no Atlântico, e TPP (Trans-Pacific Partnership), no Pacífico, ao amarrar um conjunto de países com regras internacionais em que os Estados nacionais perdem grande parte da sua capacidade para regular em matéria social, sanitária, ambiental e econômica.

Os paraísos fiscais também são um mecanismo poderoso para privar os Estados de controle: praticamente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas “laranjas” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer em nome de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o caminho do fluxo  financeiro se interrompe, permitindo todo tipo de ilegalidades – em particular a evasão fiscal e inúmeras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas1. Ou seja, esses recursos, que deveriam ser reinvestidos no fomento da economia, não só são desviados para a especulação financeira como escapam dos impostos.

Para um PIB mundial da ordem de US$ 73 trilhões, o estoque de recursos financeiros em paraísos fiscais se situa hoje entre US$ 21 e US$ 32 trilhões segundo a Tax Justice Network. O Brasil participa com US$ 520 bilhões, cerca de 28% do nosso PIB. Já saíram, por exemplo, os dados do Itaú e do Bradesco em Luxemburgo (ICIJ), bem como os do misinvoicing ou transfer pricing (fraude nas notas fiscais) que nos custa US$ 35 bilhões por ano em recursos enviados ilegalmente para o exterior segundo pesquisa do Global Financial Integrity, além dos fluxos analisados pelo HSBC e outros bancos.

Os Estados viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular esse sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade.

 

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Juros

No Brasil, o sistema de intermediação financeira, em vez de fertilizar e fomentar a economia, trava seus principais motores: a demanda das famílias; a atividade empresarial; e o investimento público, sob a forma de políticas sociais e infraestrutura.

O país trabalha, mas os resultados são drenados pelos crediários, pelas cobranças e pelos juros – sejam aqueles cobrados pelas operadoras de cartões de crédito, pelos bancos (para pessoas físicas ou jurídicas) ou pela alta taxa Selic. Trata-se da dimensão brasileira da financeirização mundial. E tudo isso só foi possível porque os agentes financeiros conseguiram dobrar a Constituição.

As mesmas forças que deformaram o sistema financeiro tiraram do mapa o que foi aprovado em 1988. O artigo 192 da Constituição afirmava: “As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura…”. Determinava ainda que o sistema financeiro nacional fosse “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”.

É só no Brasil que temos esses juros. Aqui, alguns crediários cobram, por exemplo, 104% ao ano para “artigos do lar” comprados a prazo. São 403% de juros no rotativo do cartão, e mais de 253,2% no cheque especial. O juro bancário para pessoa física é da ordem de 103%, segundo a ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contábeis) – o crédito consignado, que, na faixa de 25% a 30%, ainda é escorchante, é utilizado em menos de um terço dos créditos. Na França, os custos correspondentes se situam na faixa de 3,5% ao ano. A simulação abaixo, afixada na entrada de uma rede semelhante de artigos do lar na Europa, MidiaMarkt, apresenta juros de 13,3% ao ano, o que equivale a 1,05% ao mês. Uma compra de 600 euros, em 18 meses, é cobrada em 18 prestações de 38,85 euros. O total a prazo é de 699 euros. No Brasil, seria de mais de 1.200 euros.

No lado do investimento, da expansão da máquina produtiva, acontece o mesmo. Os juros para pessoa jurídica são proibitivos, da ordem de 24% para capital de giro e 35% para desconto de duplicatas. Tocar uma empresa nessas condições dificilmente é viável. Se, no ciclo de reprodução, o grosso do lucro vai para intermediários financeiros, a capacidade do produtor expandir a produção é pequena. Acumulam-se  ainda os efeitos do travamento da demanda e da fragilização da capacidade de reinvestimento.

Além disso, a Selic elevada desestimula o investimento produtivo nas empresas, pois é mais fácil – risco zero, liquidez total – ganhar com títulos da dívida pública. Para os bancos e outros intermediários, é mais simples ganhar com a dívida do que fomentar a economia buscando bons projetos produtivos, tarefa que exigiria identificar clientes e projetos, analisar e seguir as linhas de crédito – ou seja, fazer sua lição de casa: usar as nossas poupanças para fomentar a economia. Os fortes lucros extraídos da economia real pela intermediação financeira terminam contaminando o conjunto dos agentes econômicos.

Os juros que são aplicados no Brasil graças à eliminação dos limites colocados pela Constituição de 1998 são nocivos para a maioria da população e enriquecem de forma abusiva os bancos e outros agentes financeiros, como é demonstrado a cada nova publicação dos balanços dessas instituições.

 

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Meio Ambiente

No nível mundial, as mudanças climáticas têm sido um dos cernes da atual crise ecológica e ambiental. Os setores de mineração, metalurgia e exploração de petróleo, assim como a indústria automotiva, são alguns dos principais responsáveis pelo aquecimento global. Além de capturar organismos internacionais ao financiar eventos relacionados ao tema do clima, contudo, os grandes atores econômicos desses setores formam grupos de pressão e financiam pesquisas muitas vezes enviesadas para deslegitimar o combate às mudanças climáticas. No Brasil, a aprovação do novo Código Florestal Brasileiro,  de 2012, é outro exemplo paradigmático de captura política com consequências ambientais negativas. No Congresso, pressionado por interesses corporativos, legisladores defenderam a flexibilização de leis que facilitaram o desmatamento florestal para o cultivo agrícola e anistiaram multas de desmatadores, entre outros.

 

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Mídia

A concentração da mídia no Brasil encontra poucos similares no mundo. O Grupo Globo controla mais da metade do mercado de comunicação, cuja receita líquida é 3 vezes maior do que a soma das receitas dos grupos Abril, RBS, O Estado de São Paulo e SBT. Além da Globo, há dois outros conjuntos de atores econômicos  no setor. O primeiro é formado por grupos religiosos, notadamente católicos carismáticos (Rede Vida, TV Século XXI e Rede Canção Nova) e neopentecostais (Record, SBT). O segundo agrega os grupos estrangeiros, incluindo: aqueles formados a partir de grandes estúdios de Hollywood (Disney, Time-Warner, Viacom, Universal, Columbia e Fox), que controlam o mercado cinematográfico e, somados à Globo, o mercado de TV paga; e os grupos que atuam nos serviços de vídeo por demanda na Internet. A influência dos meios de comunicação de massa sobre o poder político se dá por mecanismos bastante sui generis. Os serviços de rádio e de televisão são considerados “públicos” e dependem da locação de um canal no espectro eletromagnético; a distribuição desses canais reproduz o “coronelismo eletrônico”, que segue critérios políticos, partidários e até personalistas e consolida o poder de famílias como Sarney, Magalhães, Collor, Jereissati e Barbalho. O fato de o poder Legislativo tomar parte no processo de outorga de rádio e televisão agrava ainda mais o quadro (mais de 10 deputados sócios e/ou diretores de emissoras são membros da Comissão de Ciência e Tecnologia). Para piorar, os meios de comunicação de massa usam seu poder para tratar de forma diferenciada seus aliados políticos e seus opositores. Os mecanismos de captura também apresentam desdobramentos econômicos em favor dos meios. Entre os casos mais conhecidos de aporte de recursos públicos a grandes grupos de mídia estão os vultosos investimentos do BNDES na Globocabo (atual NET) e o resgate do Banco Panamericano, de Silvio Santos, pela CEF. Sem falar no aporte de recursos públicos por meio do pagamento de publicidade (no final do governo FHC, a Globo concentrava 49% do gasto federal em publicidade; nos primeiros 12 anos de governo petista, essa taxa era de 44,6%). O fomento por meio da renúncia fiscal é outra forma que permite a concentração econômica. A combinação entre diferentes formas de captura leva à manutenção desse cenário de concentração de propriedade dos meios de comunicação e de normas e políticas insuficientes para promover maior diversidade no conteúdo dos principais meios de comunicação.

 

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Saúde

O Brasil é hoje o sexto mercado interno em vendas de medicamentos no mundo. Em 2014, as farmacêuticas lucraram US$ 29,4 bilhões. A indústria – principalmente a estrangeira – se beneficiou da Lei de Patentes (9.279/96) que criou um esquema de proteção e monopólio de exploração de medicamentos no qual o dono da patente pode usar o princípio ativo e cobrar o que quiser pelo remédio. O impacto da lei foi tremendo: levou à falência 1.096 unidades produtivas de química fina e fármacos do Brasil, além de provocar o cancelamento de 355 novos projetos. Uma associação de laboratórios internacionais e duas de laboratório nacionais articulam suas diversas estratégias de lobby ao redor dessa lei. O principal mecanismo de captura tem sido as doações eleitorais, que possibilitaram a criação informal de uma “bancada dos medicamentos” no Congresso. Outra forma tem sido a cooptação de parlamentares via convite para viagens internacionais a universidades estrangeiras. Casos de portas giratórias são também notórios: o ex-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, demitido do órgão em outubro de 2014, por exemplo, foi contratado pela Interfarma em maio de 2015. Na atualidade, estão em disputa vários projetos de lei para alterar a Lei de Patentes: uns tentando aprofundar os direitos para as farmacêuticas, outros para moderá-los.

 

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Segurança

O Brasil é hoje o segundo maior fabricante e o quarto maior exportador de armas leves do mundo, e o país com o maior número de homicídios do mundo – de cada 100 assassinatos no mundo, 13 ocorrem aqui. O uso disseminado de armas de fogo no país atinge mortalmente dois grupos específicos: os pobres, que vivem em áreas periféricas, e a população negra. O Legislativo é uma importante arena de disputa – e capturas – para esse segmento, sendo que uma das principais frentes de atuação da indústria tem sido a tentativa de flexibilizar as leis que dificultam a compra de armas por civis, capitaneada por parlamentares financiados pelas grandes empresas de armamentos e munições. Outra estratégia utilizada pela indústria é a das “portas giratórias”: é comum que oficiais responsáveis por setores de fiscalização se  tornem consultores privados da indústria.

 

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Setor imobiliário

O Programa Minha Casa Minha Vida é um acontecimento histórico no Brasil frente ao déficit habitacional do país, produzido pela urbanização segregadora das últimas décadas. Em 2009, viabiliza uma produção habitacional em larga escala, capaz de atingir os mais carentes. Mas a forma como o programa se estrutura, via recursos e subsídios públicos à iniciativa privada para produção de moradias (medida anticíclica para enfrentar a crise econômica), é contraditória. Para piorar, o programa foi desenhado entre governo e empreiteiras, excluindo a sociedade civil do processo. A despeito de enfrentar o problema habitacional, esses recursos servem antes como objeto de disputa de agentes privados ávidos por capitalizar seus negócios imobiliários. A empreiteira mineira MRV, por exemplo, opera 96% de seus negócios a partir dos recursos do MCMV. Além disso, o mercado produz habitações com baixíssima qualidade construtiva e urbanística. Por meio de recursos públicos, boa parte vindos do FGTS, promovemos o sucesso do mercado imobiliário, com desempenho extraordinário na economia. De outro lado, tal financiamento aprofunda ainda mais a desigualdade urbana, incapaz de sanar o problema social original para o qual foi pensado.

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Créditos

Guia Ilustrado da Privatização da Democracia no Brasil

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